Friday, May 9, 2008

Duas Vias




Acabado de ler a introdução à entrevista de Passos Coelho ao Expresso, que sairá amanhã, fiquei muito preocupado. Preocupado com o futuro do País.

Este candidato à liderança do PSD decidiu que para marcar a diferença, e para o seu partido marcar a diferença, o rumo ideológico das suas políticas tem de ser liberal, no sentido de reduzir o Estado às suas funções minímas.

Isto não seria preocupante por aí além, não fosse o caso de lermos com atenção o que ele diz. Primeiro afirma: «o Estado sairia da TAP, da RTP, da CGD, das telecomunicações,dos transportes e das estradas, limitando-se a permanecer na Saúde, Educação, Segurança Social e Cultura.»

Ou seja, um conjunto de incongruências. Comecemos pelo mais fácil - a TAP e a RTP. A mim não me choca que estas duas empresas sejam privatizadas, embora apenas concorde se for apenas uma privatização parcial. As duas empresas prestam um serviço público, não haja dúvidas, bom ou mau isso é outra conversa. Estaria por provar se nas mãos de privados estaríamos melhor servidos. Embora reconheça que não faz sentido o Estado controlar 100%. Aliás, é intenção do Governo PS preparar a TAP para isso mesmo. Nada de inovador portanto...

Depois a bomba: privatizar a CGD. Nem parcial nem totalmente, isto é uma completa aberração. Numa altura em que nos apercebemos das fragilidades dos mercados financeiros e de capitais, vem alguém dizer aos portugueses que a única instituição financeira em que podem ter confiança (ou pelo menos, mais que todas as outras...) é para vender. Assim, sem se rir ou bocejar. Como disse muito bem Manuela Ferreira Leite (nalguma coisa tinha de concordar com ela) este problema da CGD não faz qualquer sentido em ser colocado. Isto é apenas sound byte. Não é política séria, pois Pedro Passos Coelho não dá qualquer racional de explicação. Porquê é que se privatiza a CGD? Porque sim... é uma questão de princípio... um indivíduo coça a cabeça e não entende... mais uma vez não se vê por que exemplo é que se rege. Na vizinha Espanha, governada 8 anos pelo PP, há diversos bancos públicos (as cajas) e muitos deles autênticos braços armados das empresas espanholas (privadas... pois...).

Depois o génio a revelar-se. Privatizar as estradas... seríamos o único País do Mundo a fazê-lo... extraordinário... não bastam já os troços de auto-estrada concessionados, sejam eles scuts ou portajados. Começo a desconfiar que o conselheiro deste candidato é aquele rapaz da Somague que parece que pagou uma multa à pouco tempo por causa de uns favores ao... PSD. Adiante.

Telecomunicações. O Estado apenas subsiste com uma golden share na PT. Privatizar os CTT? Parcialmente não me choca. Portanto, este candidato é só inovações...

Dito isto afirma que ficaria APENAS na educação, saúde, segurança social e cultura...

Então mas isto faz algum sentido? Diz que quer privatizar a RTP mas mantém o Estado na cultura...

Quer privatizar a CGD mas mantém o Estado na segurança social - quando o seu partido por exemplo, num dos poucos assombros liberais que verdadeiramente teve, apresentou uma proposta de reforma do sistema de contribuições em que o Estado progressivamente sairia de cena em favor dos fundos privados. E repito o argumento da instabilidade dos mercados. Não se pode confiar cegamente no mercado. É uma utopia...

Mantém-se na saúde quando o seu partido critica o Governo por retirar a concessão do Amadora-Sintra ao grupo Mello, classificando como uma retrocesso...

Na educação idem aspas... Mais ensino público? É isto afinal que o PSD defende...? Às vezes não parece, em que ficamos...?

Concluindo... este candidato é mais espuma dos tempos em que vivemos. É um político profissional, que esteve uns anos afastado do palco o suficiente para não se queimar, e que agora tenta chegar com uma aura de política de mudança, que é como se viu em cima facilmente refutável...

Mas como dizia, isto é perigoso. É perigoso porque não vejo uma resposta pública por parte do centro-esquerda que coloque estas ideias em cheque, e elas fazem o seu caminho entre os gentios. As pessoas que tem capacidade para pensar e reflectir sobre estes temas, na área socialista, têm de fazer um combate ideológico contra este espírito liberalista, que é uma moda, mas é uma moda muito perigosa, como se pode ver pela aderência que tem na blogosfera. Se o País cai na mão desta gente não sei sinceramente onde iremos parar... tanto pelas ideias como pelo vácuo por detrás delas...

Eu defendo uma intervenção do Estado consistente. Ou seja, o Estado tem de proteger os interesses fundamentais dos cidadãos. Dar garantias de serviço público e universal na saúde, educação, segurança social, justiça, segurança e ambiente. Os moldes ou limites desta intervenção podem variar, estruturalmente ou apenas circunstancialmente, conforme o partido que nos governe. Mas sem nunca pôr em causa o modelo de Estado Social Europeu em que vivemos presentemente, e como a esmagadora maioria dos países ocidentais vivem, incluindo os Estados Unidos da América. Ou se quiserem desta maneira: sem nunca promover a desigualdade social, que é o que está em causa nas áreas em que referi. O mercado de capitais existe apenas por uma razão: gerar mais capital. O que é legítimo. Mas o Estado tem de se reger por outros princípios.

Invenções deixemos para os teóricos. Aos políticos responsabilidade pelo futuro do seu povo. O País à frente dos seus interesses eleitorais.

* fotos de John Maynard Keynes e Friedrich August von Hayek

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