Wednesday, September 19, 2012

A Política na Madeira: a Grande Porca

Ontem o Presidente do Governo Regional brindou-nos com umas declarações que fazem jus a um verdadeiro Caudilho. Se perco, demito-me. Se ganho, expulso.

O PSD Madeira encontra-se numa guerrilha interna, revelando publicamente a sua verdadeira natureza. A hipocrisia generalizada de todos os seus dirigentes ao longo dos anos, onde os interesses financeiros, negócios, nomeações políticas e afins, foi suficiente para manter uma unicidade interna em torno do líder, que com a atual crise económica está a desabar estrondosamente.

O que está em causa no PSD-M hoje não é uma personalidade, o seu feitio ou liderança. É todo um modelo político e económico de 30 anos, que efectivamente proporcionou um aumento do PIB na Região, mas completamente desigual, artificial e insustentável. O contraste da ostentação de riqueza de alguns na Região é apenas comparável com os dos grandes centros de negócios de Lisboa e Porto, e a miséria e a pobreza com as das franjas sociais dessas mesmas urbes. Não é, não pode ser aceitável.

O montante da Dívida Pública da RAM acaba por ser apenas um pormenor de um enredo, que amarra todo um povo a um só partido. O controlo sistemático sobre as pessoas, a ameaça constante, a limitação social traduzida em baixos níveis de qualificação e educação, é todo um plano político bem pensado e executado ao longo destas décadas.

Esse plano está a embater pela primeira vez no descontentamento público dos cidadãos que pensava controlar.
 
O Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da RAM, assinado no final de Janeiro deste ano, é o corolário da desorientação financeira e económica que nos guiou ao presente dia.
Perdemos Autonomia Política e Orçamental efetiva. Quem manda é o Ministro das Finanças da República.
Pior, o PAEF é um conjunto de medidas que começaram a destruir o tecido económico da Madeira, em que a austeridade impera não como um meio, mas um fim em si mesmo. O número de insolvências de empresas, a alta taxa de desemprego, o regresso da emigração são os sinais concretos e consequência dessas medidas.

Bem pode Frei Tomás pregar que é contra tudo isto, e que está amarrado aos ditames Gasparistas. Já ninguém o ouve, porque estamos fartos de mentiras.
Não só omitiram o que aí vinha antes das últimas eleições regionais, como continuam agora a não publicar o relatório de avaliação atualizado do plano.

Os Madeirenses apenas conhecem o último relatório de avaliação do 1º Trimestre. Já estamos no final de Setembro, e parece que os meses deixaram de contar na Quinta da Vigia.
Desse relatório de 11 de Maio, ficámos logo a saber que o PAEF está condenado ao fracasso. Com a destruição da economia regional, não se gera riqueza, não se gera receitas fiscais que possam cumprir com os pagamentos do empréstimo (quanto mais com a amortização da dívida). Para um exercício de memória, ficam apenas as seguintes notas:

Revisão dos dados para o ano de 2011:
  • O Défice Orçamental da RAM ficou nos 21,7% do PIB regional;
  • A receita foi afinal menos 5,1 pontos percentuais em relação ao notado no PAEF;
  • A redução de despesa foi de apenas 0,6 p.p.;
  • A revisão de despesas com pessoal alcançaram um aumento de mais de 24 Milhões Eur. As prestações sociais mais de 140 Milhões Eur.
Portanto, partimos de um ponto muito pior do que aquilo que se contava aquando da elaboração das medidas do PAEF. Não sei se hei de chamar incompetência ou outra coisa pior.

Já referente ao 1º Trimestre de 2012, na comparação homóloga:
  • Redução de 10,1 Milhões de Eur de receita corrente (-3M nos impostos diretos e -1,6M nos indiretos (ainda não estava refletida a subida das taxas de IVA, apenas iniciadas em Abril);
  • Quebra homóloga na Receita Efetiva de 3,6 Milhões Eur;
  • Redução da despesa corrente em apenas 2 Milhões Eur, para a qual nem a descida das despesas com pessoal (-5,7M) nem com aquisição de bens e serviços (-8,4M) tiveram efeito global pretendido;
  • Quebra homóloga na Despesa Efetiva de apenas 22,5 Milhões Eur, com praticamente toda a contribuição a vir das despesas de capital, nomeadamente aquisição de bens de capital (leia-se Investimento...).

Uma clara disparidade nos números, e que revela uma estratégia de consolidação orçamental totalmente errada. Claramente, sem as receitas (sem crescimento económico) não conseguiremos cumprir com os nossos compromissos. E isso será devastador para a Região Autónoma da Madeira.

Isto é um problema estruturante, pois temos uma Administração Pública sobredimensionada e subqualificada. Há um tecto para o corte nas despesas fixas, e sem investimento a economia da RAM definha, pois não conhece outro modo de vida que não seja o de lançar dinheiro às obras e betão.

Dado que o relatório do 2ª trimestre não foi publicado devemos esperar o pior. O Ministério das Finanças já suspendeu a transferência de verbas até que novas medidas sejam executadas para colocar o comboio novamente nos eixos. Mas este já descarrilou...

A novela até ao próximo Congresso do PSD-M será uma triste comédia. Apostaremos que até lá não haverá anúncios de mais medidas de austeridade, de mais taxas, de mais impostos... até ao dia seguinte.

Miguel Albuquerque tenta passar pelos pingos da chuva como se fosse um paraquedista, qual D. Sebastião que acaba de aterrar para fazer de milagreiro. O ainda Presidente da Câmara Municipal do Funchal é também um dos grandes responsáveis pela atual crise económica e financeira, pois o seu modelo é o mesmo de Alberto João Jardim.

A situação financeira da CMF é em todo semelhante à da Região no seu todo.

Em 2011 o Funchal era o 5º Município do País com maior atraso nos pagamentos aos fornecedores. As dívidas a fornecedores representavam 76% das suas receitas efetivas. A dívida total da CMF representava 150% das suas receitas efetivas. Uma gestão autárquica irresponsável e insustentável.

O putativo oposicionista é afinal um filho pródigo. E um grande amigo do Coelho. O Passos.

Com as novas mexidas na TSU a economia da Madeira, maioritariamente dependente do consumo, e também das receitas dos turistas continentais, irá levar com mais um prego no caixão.

Precisamos de mudar de vida. Precisamos mudar de modelo. Precisamos mudar esta gente.


O ciclo vicioso só muda se os madeirenses votarem noutra alternativa.

Há quem diga para o povo acordar. A enxurrada que aí vem tratará disso. 



Monday, April 30, 2012

Ensaio sobre a Cegueira

O anúncio pelo Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, de que os subsídios de Férias e Natal dos funcionários públicos e pensionistas apenas serão repostos (talvez) em 2018 é um puro atentado político, e também uma declaração de completa desorientação do Governo.
Antes de analisar a medida em si, julgo uma falta de coragem não ser o 1º Ministro a fazer esta declaração. Face a tal decisão, privando milhões de portugueses de uma grande parte do seu rendimento, o mínimo que se pedia é que fosse o líder do Governo a dar a cara.

Em qualquer caso, isto é de uma brutalidade sem limites, que revela a cegueira ideológica de quem conduz as finanças públicas do País.
Como explica aqui Pedro Lains, ao cortar-se os subsídios até 2018 significa que (tendo em conta uma inflação média de 3% anual) teremos um corte de 19% nos salários entre 2011 e 2018.

a b c=a/b
2011 100,0 100,0 1,00
2012 86,0 103,0 0,83
2013 86,0 106,1 0,81
2014 86,0 109,3 0,79
2015 89,5 112,6 0,80
2016 93,0 115,9 0,80
2017 96,5 119,4 0,81
2018 100,0 123,0 0,81
(dados de Pedro Lains)
«a col. a são os cortes de 14% de um salário de 100 até 2014 e a reposição de 25% ano a partir de 2015; a coluna b representa um índice de preços com uma inflação anual média de 3%; e a coluna c são os cortes corrigidos pela inflação de 3%. Como se vê, o salário de 100, em 2011, deveria ser de 123, em 2018, pois a inflação acumulada entre esses anos é de 23%. Todavia, o salário em 2018 só será (sic) de 100, o que representa (representaria) 81% de 123 ou um corte de 19%.»

A opção política do Governo PSD/CDS de avançar com um programa de austeridade, muito além do programa acordado com a Troika, está a revelar-se um pleno fracasso.
Todas as medidas postas em prática pelo Governo até à data tiveram como objectivo primário diminuir o défice a qualquer custo e sem ter em conta a economia real. Tudo feito maioritariamente à custa do aumento de impostos, destacando-se a taxa extra de IRS (equivalente a 50% do subsídio de Natal em 2011) e as taxas de IVA. No decorrer do ano, e face à contínua degradação das finanças públicas, recorrem aos fundos de pensão da banca como único meio de cumprir a meta do défice, e anunciam logo o corte no 13º e 14º mês dos funcionários públicos e pensionistas para os anos seguintes.

O relatório da Execução Orçamental de Abril pela DGO revela dados muito preocupantes quanto ao 1ºT de 2012:

-  valor provisório do défice do Estado situa-se nos 1.637 Milhões Eur. Compara 892M Eur em 2011;
- a receita diminui 4,4% enquanto que a despesa aumentou 3,5%;
- Serviço Nacional de Saúde com um saldo de -74M Eur, compara com +7M Eur em 2011;
- Saldo da Segurança Social com +278M Eur, compara com +579M Eur em 2011 (fruto do aumento das prestações sociais e decréscimo das contribuições);
- variação negativa de 5,4% nos impostos directos, e diminuição de 6,1% dos impostos indirecto;
- o IVA -3,2%, imposto sobre produtos petrolíferos -6,9%, imposto sobre o tabaco -18,7%, imposto sobre veículos -47,5% !!

Um completo falhanço orçamental, que decorre de uma estratégia económica errada.
Caminhamos para uma situação de recessão crónica, que nos levará vários anos a recuperar.

Como é fácil de observar, o consumo interno teve uma queda brutal, exemplificado na queda de todos os sectores da economia, destacando-se o imobiliário, sector automóvel, e todas as indústrias associados a estes (cerâmicas, peças industriais, etc), além do comércio e retalho.
As falências e o desemprego aumentaram vertiginosamente. As prestações sociais aumentaram, associado à queda de receita do IRS e IVA. O fundo da Segurança Social dá sinais que rapidamente irá entrar numa situação deficitária.

O tecido empresarial português está a tentar adaptar-se, direccionando-se em força para as exportações, mas em claras dificuldades com a falta de financiamento bancário.

Outro dos grandes objectivos do Governo associado a tudo isto é baixar os custos do trabalho em Portugal, com a justificação de aumentar a nossa competitividade, o que é uma autêntica falácia.
Já temos dos custos mais baixos da Zona Euro (11,9eur/hora), que compara com 17,5eur da Grécia, 27,4eur Irlanda, 11,9eur Malta, 26,8eur Itália, e 20,2eur Espanha.
Por pouco não baixavam a TSU, que resultaria num cataclismo orçamental.

Nada disto faz sentido.
Não se percebe a continuação do empobrecimento da população, sem executarem medidas estruturais de estímulo à economia. Não há investimento, não há reformas, não há sequer uma esperança.

3 bons exemplos:
A Ministra da Justiça entretém-se a fazer de comentadora política sem apresentar qualquer reforma da sua área.
A Ministra da Agricultura espera e reza que chova.
Do Ministro da Economia a única coisa que me lembro de importante foi a incitação à exportação do pastel de nata...

Não há uma linha condutora além daquela que é ditada pelo Ministério das Finanças - que ficou aliás responsável pelos fundos do QREN, e apenas pode significar a restrição à sua execução plena.
Há meses que economistas e empresários apelam a mais economia e menos finanças, e temos cada vez mais o contrário. Apenas se avançou com privatizações, com o objectivo puro e duro de arrecadar receitas. Perdemos e perderemos património e activos estratégicos, como a REN, EDP, ANA, TAP, EDP e até mesmo os seguros da CGD.

Noutro plano, atente-se aos valores do Défice Orçamental e Dívida Pública nos últimos anos:
 

Défice (em % do PIB)  Dívida (em % do PIB)
2006 4,1 63,9
2007 3,1 68,3
2008 3,6 71,6
2009 10,1 83,0
2010 9,8 93,3
2011 4,2 107,2
(dados do Banco de Portugal)

Não fossem os fundos de pensão da banca, e o défice do ano passado estaria acima dos 8%.
Prevejo que não restará outra solução que não renegociar os termos do empréstimo internacional, com novo financiamento dado que os juros no mercado continuam altíssimos, e muito provavelmente a reestruturação controlada da dívida - tudo o contrário daquilo pelo qual Gaspar se tem batido.

Não teremos recursos para conseguir pagar este nível de dívida, sem crescermos, sem criarmos riqueza. Há qualquer coisa de demente neste pensamento de que os problemas causados pela austeridade têm de ser resolvidos com mais austeridade.

Prevejo igualmente que os portugueses não irão aturar isto muito mais tempo.

Gaspar até pode afirmar que não haverá subsídios até 2018. Talvez se engane nas contas, dado as Legislativas de 2015, senão antes...