Monday, April 30, 2012

Ensaio sobre a Cegueira

O anúncio pelo Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, de que os subsídios de Férias e Natal dos funcionários públicos e pensionistas apenas serão repostos (talvez) em 2018 é um puro atentado político, e também uma declaração de completa desorientação do Governo.
Antes de analisar a medida em si, julgo uma falta de coragem não ser o 1º Ministro a fazer esta declaração. Face a tal decisão, privando milhões de portugueses de uma grande parte do seu rendimento, o mínimo que se pedia é que fosse o líder do Governo a dar a cara.

Em qualquer caso, isto é de uma brutalidade sem limites, que revela a cegueira ideológica de quem conduz as finanças públicas do País.
Como explica aqui Pedro Lains, ao cortar-se os subsídios até 2018 significa que (tendo em conta uma inflação média de 3% anual) teremos um corte de 19% nos salários entre 2011 e 2018.

a b c=a/b
2011 100,0 100,0 1,00
2012 86,0 103,0 0,83
2013 86,0 106,1 0,81
2014 86,0 109,3 0,79
2015 89,5 112,6 0,80
2016 93,0 115,9 0,80
2017 96,5 119,4 0,81
2018 100,0 123,0 0,81
(dados de Pedro Lains)
«a col. a são os cortes de 14% de um salário de 100 até 2014 e a reposição de 25% ano a partir de 2015; a coluna b representa um índice de preços com uma inflação anual média de 3%; e a coluna c são os cortes corrigidos pela inflação de 3%. Como se vê, o salário de 100, em 2011, deveria ser de 123, em 2018, pois a inflação acumulada entre esses anos é de 23%. Todavia, o salário em 2018 só será (sic) de 100, o que representa (representaria) 81% de 123 ou um corte de 19%.»

A opção política do Governo PSD/CDS de avançar com um programa de austeridade, muito além do programa acordado com a Troika, está a revelar-se um pleno fracasso.
Todas as medidas postas em prática pelo Governo até à data tiveram como objectivo primário diminuir o défice a qualquer custo e sem ter em conta a economia real. Tudo feito maioritariamente à custa do aumento de impostos, destacando-se a taxa extra de IRS (equivalente a 50% do subsídio de Natal em 2011) e as taxas de IVA. No decorrer do ano, e face à contínua degradação das finanças públicas, recorrem aos fundos de pensão da banca como único meio de cumprir a meta do défice, e anunciam logo o corte no 13º e 14º mês dos funcionários públicos e pensionistas para os anos seguintes.

O relatório da Execução Orçamental de Abril pela DGO revela dados muito preocupantes quanto ao 1ºT de 2012:

-  valor provisório do défice do Estado situa-se nos 1.637 Milhões Eur. Compara 892M Eur em 2011;
- a receita diminui 4,4% enquanto que a despesa aumentou 3,5%;
- Serviço Nacional de Saúde com um saldo de -74M Eur, compara com +7M Eur em 2011;
- Saldo da Segurança Social com +278M Eur, compara com +579M Eur em 2011 (fruto do aumento das prestações sociais e decréscimo das contribuições);
- variação negativa de 5,4% nos impostos directos, e diminuição de 6,1% dos impostos indirecto;
- o IVA -3,2%, imposto sobre produtos petrolíferos -6,9%, imposto sobre o tabaco -18,7%, imposto sobre veículos -47,5% !!

Um completo falhanço orçamental, que decorre de uma estratégia económica errada.
Caminhamos para uma situação de recessão crónica, que nos levará vários anos a recuperar.

Como é fácil de observar, o consumo interno teve uma queda brutal, exemplificado na queda de todos os sectores da economia, destacando-se o imobiliário, sector automóvel, e todas as indústrias associados a estes (cerâmicas, peças industriais, etc), além do comércio e retalho.
As falências e o desemprego aumentaram vertiginosamente. As prestações sociais aumentaram, associado à queda de receita do IRS e IVA. O fundo da Segurança Social dá sinais que rapidamente irá entrar numa situação deficitária.

O tecido empresarial português está a tentar adaptar-se, direccionando-se em força para as exportações, mas em claras dificuldades com a falta de financiamento bancário.

Outro dos grandes objectivos do Governo associado a tudo isto é baixar os custos do trabalho em Portugal, com a justificação de aumentar a nossa competitividade, o que é uma autêntica falácia.
Já temos dos custos mais baixos da Zona Euro (11,9eur/hora), que compara com 17,5eur da Grécia, 27,4eur Irlanda, 11,9eur Malta, 26,8eur Itália, e 20,2eur Espanha.
Por pouco não baixavam a TSU, que resultaria num cataclismo orçamental.

Nada disto faz sentido.
Não se percebe a continuação do empobrecimento da população, sem executarem medidas estruturais de estímulo à economia. Não há investimento, não há reformas, não há sequer uma esperança.

3 bons exemplos:
A Ministra da Justiça entretém-se a fazer de comentadora política sem apresentar qualquer reforma da sua área.
A Ministra da Agricultura espera e reza que chova.
Do Ministro da Economia a única coisa que me lembro de importante foi a incitação à exportação do pastel de nata...

Não há uma linha condutora além daquela que é ditada pelo Ministério das Finanças - que ficou aliás responsável pelos fundos do QREN, e apenas pode significar a restrição à sua execução plena.
Há meses que economistas e empresários apelam a mais economia e menos finanças, e temos cada vez mais o contrário. Apenas se avançou com privatizações, com o objectivo puro e duro de arrecadar receitas. Perdemos e perderemos património e activos estratégicos, como a REN, EDP, ANA, TAP, EDP e até mesmo os seguros da CGD.

Noutro plano, atente-se aos valores do Défice Orçamental e Dívida Pública nos últimos anos:
 

Défice (em % do PIB)  Dívida (em % do PIB)
2006 4,1 63,9
2007 3,1 68,3
2008 3,6 71,6
2009 10,1 83,0
2010 9,8 93,3
2011 4,2 107,2
(dados do Banco de Portugal)

Não fossem os fundos de pensão da banca, e o défice do ano passado estaria acima dos 8%.
Prevejo que não restará outra solução que não renegociar os termos do empréstimo internacional, com novo financiamento dado que os juros no mercado continuam altíssimos, e muito provavelmente a reestruturação controlada da dívida - tudo o contrário daquilo pelo qual Gaspar se tem batido.

Não teremos recursos para conseguir pagar este nível de dívida, sem crescermos, sem criarmos riqueza. Há qualquer coisa de demente neste pensamento de que os problemas causados pela austeridade têm de ser resolvidos com mais austeridade.

Prevejo igualmente que os portugueses não irão aturar isto muito mais tempo.

Gaspar até pode afirmar que não haverá subsídios até 2018. Talvez se engane nas contas, dado as Legislativas de 2015, senão antes...